segunda-feira, 16 de junho de 2008

Abóboras


Quando o mar subiu e o sol se ia afongando lentamente, senti a brisa apagada da tua presença.

Uma presença seca, áspera e crua que não me serve de contentamento.

O sol finalmente deixou de respirar por hoje e entro sozinha na minha cabeça vazia.

Desperto porque ao longe vejo uma parka verde e uns pés descalços. Sim, até daqui parecem descalços. Volto a cabeça como sinal de desinteresse.

Sinto algo a aproximar e temo por segundos. O cão é engraçado mas nunca gostei que me cheirassem.

Um cão bem cuidado mas rafeiro. Um cão perdido ou... o teu cão. Não quero que seja teu. Não quero mesmo.

Passas em marcha lenta por detrás e chamas o canino num som que mais parecia uma consoante só.

Eu não me mexo nem com tamanha curiosidade da percepção da tua imagem.


- Esteve um lindo dia!


(Ups, e agora?)


Rodo a cabeça uns 45 graus para não parecer muito e aceno com a cabeça.


- Amanhã estará igual. Costumo não errar! - afirmas convicto demais.


- Sim, é capaz... Boa tarde. - respondo, desacreditada e como forma de antecipar a despedida.


- Tenha uma boa noite e desculpe a intromissão dos dois.


- De nada.


(e esqueci-me do obrigada... e do igualmente...)


Enfim sós, novamente, com a cabeça entre as pernas doridas e com as mesmas pernas a rodear esta abóbora agarrada ao corpo. Que incha, desincha e só passa quando durmo e ela se tranforma em cinderela.

Está escuro mas não tenho medo. Tenho mais medo que me levem o carro do que a mim.

Chego ao carro que deixei propositadamente a 1 km para cansar ainda mais estas duas que me seguram. Tudo para apagar a vida real mais cedo quando for hora de me deitar.

Fumo meio cigarro o mais devagar que consigo e antes de arrancar lembro-me que amanhã o dia vai estar igual.

A imagem de ti ecoa durante uns segundos, poucos mas os suficientes para me convencerem a voltar amanhã. Acho que sim... mas só se o tempo estiver bom.