Já fazia muito tempo que o Fábio não tinha crises de preconceito com ele próprio.
Muitos anos pensou que era anormal não por ser anão, mas sim, porque tinha visões diferentes de tudo o que pudesse ter opinião.
Quando tinha que comunicar com as pessoas, sentia-se logo enojado e com náuseas. Sabia que aquela possível ligação se partiria assim que ele abrisse a boca. Mas nem percebia porquê. Só sabia era que ficava tão mal disposto que só lhe apetecia vomitar.
A mãe sempre lhe dissera que ele vivia no mundo da inferioridade mas, antes que ele pudesse perceber o que isso significava, já ela estava prestes a deixá-lo entregue ao mundo das grandezas.
Até lá, tudo de pior que pudesse passar à frente dos seus dois guias espetados a martelo em cada lado da cara, era pequeno. Um pequeno tão pequeno que tinha partes a tender mesmo para o invisível.
As coisas boas nunca chegavam para ele e as más eram tão minúsculas que desapareciam se respirasse duas vezes.
A desproporção do seu mundo nunca foi entendida mas até os médicos (que ainda acreditavam em bruxas e fadas) a associaram ao facto de ser anão. Tudo era muito mais pequeno no seu universo físico e, talvez por esse motivo, a parte mental nunca tivesse experimentado sentimentos de nomes conhecidos.
Vivia sempre no trapézio sentado a baloiçar, nunca tentava levantar-se nem nunca caía lá abaixo.
Mas no dia em que a mãe o deixou para ser tapada pelo cobertor da terra, o Fábio, ao contrário do que todas as pessoas julgavam, derramou uma lágrima. Essas mesmas nunca souberam foi que a lágrima não caiu por ela, mas sim, porque era uma manhã fria em finais de Novembro e os seus olhos constiparam-se pela primeira vez.
A partir desse dia toda a gente ficou a pensar que, afinal, ele era normal.
O Fábio anormal cobriu-se bem tapadinho, aproveitando o grandioso cobertor da mãe e, a partir daí, até ele ficou a julgar ser normal, sem nunca vomitar, apenas por ninguém ir lá espreitar.