domingo, 9 de novembro de 2008

Afazeres


Enquanto o granizo caía lá fora, a menina da D. São era novamente a escolhida para um dos senhores de mais idade que procuravam ainda estes afazeres.

Ela não se importava porque os velhinhos eram mais calmos, já sabiam muito da vida e iam perdendo as capacidades de tudo o que rodeia o centro de gravidade. Eram meigos e gostavam muito de falar e também de apalpar. Sabia bem que alguns vinham acompanhados da pílula milagrosa mas ela tentava sempre, a todo o custo, que eles não a tomassem porque já sabia que a noite era toda por conta dessa côr drogada. E ela tinha um namorado em casa à espera dela, contas para pagar, compras para fazer e tinha, obrigatoriamente, de fazer vários turnos por noite para conseguir ficar sem essas dívidas banais.

Gostava mais dos novinhos, aqueles que ainda tinham o invólucro da menoridade. Eram rápidos, não falavam e de uma timidez que mal lhe tocavam. Ela guiava todo o processo sem custo e com algum prazer.

Os dos 30 aos 60 eram os mais problemáticos. Sempre com exigências, grandes investidas, na sua maioria brutos e tratavam-na como trapos e para isso já bastava a sua consciência que fazia questão de fazê-la sentir ainda mais esfarrapada do que isso.

A parte mais difícil era sempre quando fazia o caminho de volta a casa. As réstias de memória de cada noite davam-lhe pontapés e ela não conseguia sequer proteger os órgãos vitais, lembrando-se sempre do seu amor que ainda estava pior.

O namorado, depois do acidente, além de tetraplégico, deixou completamente de falar e mal a avistava, sorria com o eterno amor nos olhos.

Ela nunca lhe contou como conseguia dar conta de tudo, ser uma boa companheira e a melhor pessoa do mundo.

No trabalho, depois de conhecerem a sua história, era a mais requisitada, mais adorada e até mesmo amada. Quantos não foram os que lhe pediram em casamento.

Durante anos andou confusa, com paixões que começavam e acabavam sem que fossem faladas mas o amor foi sempre só um e no dia em que se despediu voltou ainda mais encantada e apaixonada.

Viveram na reforma que dava até para fazerem viagens de avião todos os verões e esperaram, sempre com o mesmo sentimento, até que tivesse de haver caixões.

2 comentários:

Woody disse...

Não me parece que os descontos para a segurança social na área da prostituição dêem para uma reforma dessas... Cá para mim ela tinha um bom Plano Poupança Reforma...

Desculpa lá vir abandalhar isto mas é a minha maneira de dizer que gosto das tuas estórias, apesar de muito triste...

Do que percebi, é uma abordagem bem profunda à necessidade de vender o corpo para vender (que deve ser das coisas mais horríveis que se pode fazer), bem como à inevitabilidade de fazermos tudo por amor... O bom e o mau de mãos dadas...

Enquanto eu falo de fritos tu exprimiste-o de outra maneira...

Beijinhos**

Tari disse...

Woody:

Tens toda a razão. Reforma é apenas no sentido figurado. Refere-se ao dinheiro todo (sem descontos) que ela foi guardando nos melhores (ou piores) anos da sua vida, assim que a sua história foi tornada pública.

Fazes bem vir "abandalhar", o que quero são feebacks das minhas historinhas (por norma ficcionais)que tenho gosto que sejam tristes. Para finais felizes temos sempre as novelas :P

Beijinho gtande*