segunda-feira, 9 de março de 2009

Ela e Eles


Ela só tinha um cigarro ou apenas o que restava dele.

Enquanto o tinha na mão, fitava-o demoradamente, saboreava cada puxão, sentia cada expiração como uma massagem profunda na mente e, de olhos fechados, focava-se no prazer imenso que ele, só a ela, lhe oferecia.

Assim que o terminava, atirava-o com desprezo para o chão, mesmo ao lado do muro do jardim que ela mais frequentava. O muro que já tinha as formas das suas nádegas. O chão que já tinha o molde dos seus pés. A imagem que já tinha cada pormenor por ela interiorizado. O único sítio em que ela mais esteve, sem se cansar e sem o deixar fora da sua vida.

Já olhando o chão, procurava com afinco e com manhosidade outras beatas que não as dela. As gémeas -falsas dos seus ex-cigarros.

Encontrava sempre uma ou duas. No lugar que pensava ser só dela. No lugar que, pelos vistos, outros também escolhiam para fumar os seus cigarros.

Não sabia com que periocidade os outros iam lá, mas também não os queria nem podia conhecer, com medo da sua atitude e dos seus pensamentos irreflectidos, filhos dos seus ciúmes inatos.

Ela, que só queria fumar cada cigarro, dia atrás de dia, como se eles fossem os únicos.

E eles, sem saberem a existência dos outros, que também eram só dela, e nem sequer a existência dos outros... dos outros.

Ela, a egocêntrica-mor, que só gostava da sensação de eles só a terem a ela e ela os ter a todos.

2 comentários:

Anónimo disse...

Acabei de fumar e entendo perfeitamente, lol
Essa ideia, de nos rendermos ao nosso egocentrismo mais básico, está sempre à espreita... a oferecer-me mais um cigarro ;)

Beijo* Corto

Anónimo disse...

E todos os dias ela deve pensar enquanto fuma que nada mais faz se nao matar o tempo, estranhamente é o tempo que a mata a ela.

Beijinhos luis