terça-feira, 21 de abril de 2009

Suplementos


Ela encavalitou-se nas costas dele e deixou arrastar o seu corpo inerte até chegarem a casa. Ele virou-a, abraçou-a prolongadamente e, mantendo-a nos braços, ela rodou a fechadura. Já ia quase de rastos quando ele a empurrou para o sofá. Nem se despiram. Foi ali e de imediato e não demoraram muitos segundos para que o acto tivesse terminado.
Como de todas as vezes, ela ficava a fitar o tecto, ali especada, apática, a olhar para nada, sem ouvir nada, sem fazer nada senão imaginar. Rebobinar o momento para que o pouco se transformasse em muito e fosse enfeitado com pormenores íntimos que só ela conhece.
Ele ia entreter-se com o seu mundo e ela não descolava do mundo faz-de-conta.
No dia seguinte encavalitou-se nas costas dele e deixou arrastar o seu corpo inerte até que se apercebeu que se tinha enganado nas costas. Este não era ele... Tentou sair de imediato destas tais embaraçosas mas o dono agarrou-a e levou-a até sua casa. Sentou-a no sofá e por detrás dela começou a acariciar-lhe os lóbulos das orelhas, o pescoço, as costas... descendo a uma velocidade tão lenta quanto estonteante no imaginário dela. Tudo se passou sem que ela tivesse reacção e passada uma hora tinha terminado a traição.
Voltou para casa sem episódios apáticos e toda ela emanava clareza e satisfação. Mal chegou, ele saltou para cima dela e ela escorregou e adormeceu.
No dia a seguir apenas procurava encontrar terminantemente as costas suplentes que lhe serviram tão bem. Encontrou apenas as de sempre e optou por acompanhá-las lado-a-lado. Optou por imaginar como seria se as tivesse encontrado e nesse dia, mais uma vez, escorregou e adormeceu.
Todos os restantes dias serviram apenas para a procura incessante das costas suplentes em cada recanto da cidade, como se lhe tivessem tirado um ser próximo e não um distante.
A vida em casa já não era a mesma e ele preparava-se para a deixar.
Passado quase um mês lá encontrou as costas distantes, por acaso e sem qualquer propósito. Parou, olhou estaticamente para elas e desatou a correr desalmadamente até casa.
Abraçou as costas próximas e ali ficaram horas a fio. No sofá que nunca mais foi trocado por nenhum sofá suplente. No sofá que os juntou, ininterruptamente e para sempre.

2 comentários:

ZicKroft disse...

Não sei se é muito deontológico transformares traição numa história de amor de alto nível, mas pronto, fica o benefício da dúvida. *

Anónimo disse...

Acho que há diferentes costas "encavalitáveis" lol, para cada um, mas há sempre diferenças e há sempre uma escolha... ;)

Fica bem, beijinho* Corto